terça-feira, 18 de novembro de 2008

Das entranhas... DEAMBULADORES

DEAMBULADORES | Ensaio para Sinfonia Urbana

Desde a Antiguidade, foram as cidades que fomentaram os mitos, as religiões. Da mesopotâmia à Grécia edifícios foram erigidos pela mão do Homem sem olhar ao calo que tamanho esforço faria crescer. Bagdade de bastião da urbe clássica médio-oriental, fez tombar caçadores e dominados, a Torre de Babel, essa, desmoronou-se e trouxe às ruas a comunhão criminosa do poder.
No entanto, é na cidade que reside o ímpeto e é com e através dele que nós, os últimos deambuladores, caminhamos pelo mesmo trilho que nos conduz à Babilónia.
Não somos três, mas quatro. Não levamos connosco oferendas, muito menos governamos. Buscamos a vertigem do passo, o esgar da avenida que se precipita para o Rio.
Queremos sempre mais e é na gula que reside a nossa fraqueza. Dêem-nos vinho e pão, deixem-nos presenciar o circo de montras, espelho reflectindo a alma apalhaçada dos transeuntes. Quem nos poupa uma graça paga a promessa de se esvair. Quem falha, junta-se a nós. Imaterial.
Entre nós não está Gainsbourg, Truffaut, Baudelaire ou Honoré. E não, Porto não é Londres.
Evoco o francês que a dada altura proferiu: Une nuit que j´etais a me morfondre dans quelque pub englais du coeur de Londres parcourant l´amour monstre de Pauwels me vint une vision dans l´eau de Seltz. Aqui os monstros são de cimento, ferro e bronze, residem nas estátuas lascivas, quais gárgolas de seios fartos, seduzindo quem passa, lá do alto. Pauwels está morto. Não conheceu o Douro, verdadeiro monstro. É nas suas águas que ele se banha, elegante nos seus reflexos.
No entanto, Sinfónicos são os ruídos: as buzinas, suspiros automobilísticos, a marreta do calceteiro no granito dos pavimentos, eco nas paredes altas das catedrais. Ao restante chamo Rapsódias, ruídos engolidos pela tecnologia ausente e pela composição musical clássica andrógina. Nestas a Imagem nasce ao acaso, filha bastarda do Movimento.
Fazemos da cidade que sentimos o nosso instrumento. Cada plano são notas soltas sobre o suporte, agora em vídeo e de alta-definição. Não existem pautas, muito menos claves de Sol. Verticais e horizontais são os acordes que rasgam a pedra das fachadas, a água das fontes, a mente das massas. O documento (Pensamento) – Imagem em Movimento, neste prisma, é sempre violento. Não nos satisfaz não violentar o olhar de quem observa ou mesmo de quem pensa tais imagens, que, afinal, são de todos. Nós mesmos sofremos com o que vemos, em particular pela razão que nos leva a faze-lo.
A Era do paralelismo da Matéria e da Memória findou. As aranhas teceram as suas teias sobre Deleuze, transformaram-no em mosca moribunda. Bergson, esse faz Nietzsche cheirar a lavanda colhida na última primavera. Desde o século XIX, o único movimento que permanece intacto é o bipolar da Terra; hoje, o Homem não é Homem, é mais Animal. A Cidade, a sua Selva.


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